Escrita em computador e impressa em papel sulfite, a carta de dois parágrafos e 35 linhas escrita por Wellington Menezes de Oliveira tem teor moralizante, denota fanatismo e guarda proximidade com escritas típicas de seitas religiosas, na análise de especialistas ouvidos pelo UOL Notícias.

Como explica o psicólogo Antonio Serafim, coordenador do Núcleo Forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, ao insistir na questão da impureza ( "os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos (...) nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue", diz trecho da carta), o rapaz estava tentando demonstrar que se incomodava com alguma “sujeira” do mundo, que mereceria ser combatida, vencida. “Pode ser uma pessoa que foi desrespeitada, que sofreu indiferença, que teve problemas com uma ‘sujeira’ ao redor dele”, afirma.

Na análise do especialista, sempre falando de forma teórica, o atirador provavelmente agiu tentando penalizar o mundo que o agrediu. “A morte é a grande mensagem dele. Estou fazendo (matando), pois vocês me obrigaram. Ele pode ter escolhido crianças em uma tentativa de salvá-las dessa sujeira. Ele não estava matando, mas as salvando. É uma visão muito presente em discursos de assassinos desse tipo”, reflete o estudioso, falando ainda no campo das hipóteses.
Como explica Sirio Possenti, professor do departamento de Linguística do Instituo de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas (Unicamp), a carta seria uma peça sem sentido se não soubéssemos o desfecho do caso. Ao virar uma espécie de despedida de um assassino suicida, o texto ganha outras dimensões. “A carta só adquire sentido quando ele mata e morre.”
Para Possenti, não é possível ignorar que Oliveira tinha alguma questão não resolvida com a “sujeira”, seja ela moral (promiscuidade das mulheres, por exemplo) ou física (algum abuso que sofreu, por exemplo).
Na carta, existe ainda um cuidado desmedido com a figura feminina –e ele matou, na maioria, meninas. Há uma especial citação à figura materna. “Ele faz questão de ser enterrado ao lado da mãe. Por que ele não fala de irmão, pai, nada? Pode ser que ele não aceitasse a morte de mãe”, pondera o linguista, sempre argumentando “em tese”.
Possenti também estranha a solicitação do assassino para que sua herança seja revertida em nome de entidades que cuidam de animais. “Ele poderia deixar para uma instituição de caridade. Mas falta racionalidade, sobra radicalismo. Há uma carência na noção da relação com o diferente. Prefere os animais aos humanos. Pode ser um indício de que ele olhasse o mundo por um ângulo só. Soa como um pequeno fanático.”
Terminologia cristã, mas com jeito de seita
Apesar das informações da irmã do atirador de que ele teria ligações com o fundamentalismo islâmico –o que foinegado por autoridades muçulmanas–, as palavras do matador se misturam com terminologias cristãs. Deus é citado duas vezes –já Jesus, uma, e Alá ou Maomé, nenhuma.
De toda forma, como aponta o padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os conceitos lembram mais valores de uma seita específica.
“Pode ter nascido (a teoria) da cabeça dele, como uma fantasia. Se não for isso, parece ser de alguma seita. Ele usa terminologias próprias. A morte é tratada como sono. A vinda de Cristo parece uma coisa iminente. E há um rigorismo, um puritanismo muito estranho”, avalia o estudioso.
Costa diz ainda que não acredita que os conceitos usados pelo atirador guardem semelhança com os ensinamentos pentecostais e evangélicos. “O tom é outro. São outras terminologias. O texto do assassino tem características próprias”, afirma.
Para o padre, a carta do matador de Realengo soa como mensagens de igrejas milenaristas, que fazem previsões sobre o fim do mundo. “Ou ele é muito desequilibrado ou ele participa de alguma seita que lida com a morte e com Deus de uma forma extremamente fria”, analisa.
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